16 março 2023

A palavra do mestre, com a fera Marcio Macarrão

Neiman, Marcio Macarrão e Deborah Gracie. Foto: Reprodução

Marcio Stambowsky jamais quis saber de parar de aprender. Para verificar isso, bastava dar uma espiada na sua faixa-coral bem desgastada, recém substituída na hora certa pela novíssima faixa vermelha-e-branca, recebida em junho de 2017 pelo célebre pupilo de Rolls Gracie. Mestre “Macarrão”, apelido que ganhou nos tempos de surfista em Ipanema, jamais perdeu o gosto de dar um rolinha com os amigos e alunos, e até hoje faz questão de praticar as guardinhas modernas utilizadas nos torneios da IBJJF.

Outro aprendizado grande para Stambowsky, atualmente, tem sido à beira da grade do Bellator, acompanhando Neiman, seu filho de 34 anos com Carla Gracie – ele já coleciona 12 triunfos, nove por finalização. Macarrão conta a seguir as lições que tem extraído das vitórias do filhão, e desfia outras histórias após mais de 40 anos de Jiu-Jitsu. “Treino com o Neiman desde os 3 anos. Antes eu montava nele e mandava ele bater. Hoje é ele que monta em mim. É o ciclo da vida, os tempos vão passando, e o galo jovem vai virando o galo forte da tribo”, brinca o mestre carioca, hoje radicado nos EUA.

Em entrevista ao repórter Marcelo Dunlop, o mestre listou o que aprendeu de melhor até hoje. Assine aqui para ler mais artigos como este.

GRACIEMAG: Você começou a treinar Jiu-Jitsu em 1975 e recebeu a faixa vermelha-e-branca. O que tem aprendido nesta nova fase da vida, acompanhando as lutas do Neiman Gracie no Bellator?

MARCIO MACARRÃO: É um prazer estar falando com GRACIEMAG. Olha, cada luta dele tem sido um aprendizado imenso. É uma adrenalina gigantesca, mas acho que estou conseguindo administrar melhor esse nervosismo a cada combate. Já fui córner dele umas quatro vezes, mas realmente não gosto. O que me acalma um pouco é perceber que a determinação, a garra e a vontade dele são grandes e genuínas. E, claro, o fato de que ele está treinando sempre muito forte com seus companheiros, lá no time duríssimo do Renzo em Nova York, me passa mais tranquilidade, pois vejo que ele está pronto para os desafios que aparecem. Quando ele me vê nervoso, diz: “Pô pai, fica nervoso não que estou de boa”. Sou fã do Neiman, tenho muito orgulho dele. E, quando um pai vê que o filho se dedicou para estar ali, e realmente gosta do que está fazendo, a adrenalina dá lugar a outros sentimentos. Neiman é um casca-grossa e tem provado isso: já foi posto a testes duros algumas vezes, como em sua segunda luta (contra Dustin Holyko) e mostrou que resiste bem.

E ele já esbanjava a vontade de competir desde garoto?

O Neiman, quando tinha 5 anos, me dizia: “Quero um dia lutar no Japão!” Já estava vidrado ao ver os primos e tios lutando no Pride FC, o Royce, Ryan, Renzo, Ralph… Eu brinco com ele de Jiu-Jitsu desde os 3 anos, mas ele começou a se preparar de verdade na adolescência, sempre teve a mente aberta e muita vontade de aprender tudo relativo a lutas. Por exemplo: quando garoto, ia até Copacabana no Manimal para se testar no muay thai. No fim das contas, acredito que o ingrediente mais importante para você atingir o sucesso em qualquer atividade da vida é o amor. Ter amor por alguma coisa é o primeiro passo, só assim você passa a se dedicar, de fato, a tentar fazer da melhor maneira, a procurar se superar e aprender cada detalhe. E isso percebo que ele tem dentro dele. É caseiro, está há anos casado… Ou seja, vive para a luta e tem muito foco fora da academia também.

Competir no Jiu-Jitsu desde criança foi vital para ele hoje, tecnicamente?

Sem dúvida, mas creio que a maior vantagem que os campeonatos de Jiu-Jitsu deram a ele foi a experiência, apesar da pouca idade. Com os torneios ele adquiriu tranquilidade, aquela capacidade de se acalmar na hora do perigo que salva o lutador de MMA. A parte psicológica dele é forte graças às competições de Jiu-Jitsu, e desde pequeno ele se mostrou muito raçudo, muito valente.

É verdade que o Jiu-Jitsu também entrou na sua vida quase como brincadeira?

Pois é. Eu gostava muito de ver filmes do Bruce Lee, de soltar as pernadas e brincar de lutas com meu irmão e os amigos. Um dia meu amigo Maurição Gomes, hoje famoso mestre e pai do Roger, foi lá na minha casa no Leblon e nos embolamos de brincadeira. Mas naquela vez eu não consegui fazer nada com ele: ele me clinchou, me levou ao chão e me dominou, isso umas três vezes. “O que é isso, rapaz?”, eu me espantei. “É que agora estou fazendo Jiu-Jitsu, lá no João Alberto Barreto”, ele explicou. Fascinado com aquela novidade, falei com meu pai e ele me levou para treinar no Carlson. Quando cheguei lá, dei de cara com o Rolls, que dividia a academia com o Carlson, na recepção. A figura dele me causou uma grande impressão – era novinho, já de faixa-preta na cintura, simpático e magrinho. Ele me mostrou a academia e me matriculei na hora. Lembro que ainda explicou: “Os horários são diferentes. Você quer ser aluno meu ou do meu irmão Carlson?”. Não entendi direito e disse que tanto fazia. Mas ao olhar para o Rolls reparei que ele tinha um olhar forte, penetrante, e desconfiei que tinha falado besteira: “Não, olha, eu quero ser seu aluno”, emendei. Nem tinha ouvido falar do Rolls antes. Depois o Maurição acabou vindo treinar com a gente.

Você começou a treinar naquele mesmo dia?

Não, o Rolls não tinha kimono para vender e me falou para comprar ali numa loja de judô, perto da academia Cordeiro. No dia seguinte voltei. E desde aquela primeira aula do Rolls fiquei apaixonado pelo Jiu-Jitsu. Percebi que era uma atividade que eu poderia realmente aprender, não era nada mirabolante mesmo para uma criança. Era curioso porque naquela época o Jiu-Jitsu era somente uma arte marcial, não era visto como esporte pois não havia quase competições. E o MMA nem existia.

O que você aprendeu nas primeiras aulas, mestre?

O Rolls me pôs para aprender apenas defesa pessoal em pé e no chão, nas primeiras 45 aulas que tive. Defesa de gravata, quedas, paulada etc. Acredito que aquilo me deu uma base muito sólida para o meu Jiu-Jitsu, pois são nessas 45 aulas que o aluno compreende profundamente o sistema de alavancas do Jiu-Jitsu na prática. É a partir do momento que você entende o que está fazendo, que entende o que está buscando, que o aperfeiçoamento se torna possível e se acelera. Não se pode “decorar” na aula de Jiu-Jitsu.

Dá para comparar os alunos daquele tempo, os anos 1970/80, com os seus alunos de hoje em dia? Eles buscam as mesmas respostas, quando procuram o Jiu-Jitsu?

Creio que na América muitos dos meus alunos buscam a arte para saciar um lado esportivo, de disputas, que eles costumam desenvolver nos tempos de universidade. Mas muitos jovens e senhores continuam se matriculando para saberem se defender, como antigamente. Mas o Jiu-Jitsu é muito amplo, e pode ser ensinado em três partes um pouco diferentes: a defesa pessoal; o Jiu-Jitsu esportivo, com ou sem kimono; e o Jiu-Jitsu aplicado para o MMA, uma aula mais específica para atletas que buscam ser profissionais. Mas acho que todo aluno busca conhecimento: conhecer a técnica, conhecer a si mesmo.

Você buscou o Jiu-Jitsu para quê?

Para aprender meios de me defender mesmo. Como eu era o terceiro irmão mais novo, o bullying já começava dentro de casa. E nunca foi fácil ser criança no Rio de Janeiro. Eu gostava de surfar em Ipanema, perto de casa, e os mais novos também eram intimidados. Depois que comecei a treinar eu ficava até torcendo para algum surfista vir tentar alguma coisa comigo! Mas o bullying acabou rápido; em casa, fiz um dia meu irmão mais velho batucar 200 vezes… Na praia alguém comentou que eu competia e treinava no Rolls, então nunca mais mexeram comigo. Passaram até a me incentivar: “Vai que essa onda é sua!” (risos).

Qual foi a luta mais marcante da sua carreira?

Houve algumas, uns tira-teimas na academia. Mas lembro de uma das primeiras lutas que fiz, eu ainda estava começando como competidor. Eu puxei para a guarda, pus na fechada, estrangulei e o cara dormiu. O Rolls a partir daí ficava brincando comigo: “Vamos lá, usa a poderosa!”. Eu gostava muito também de raspar e cair montado, já pegando o braço. Aqui na América hoje o pessoal até apelidou de “Macarrão sweep”.

Você sempre foi considerado um mestre das raspagens. O que acha das guardas modernas?

Eu acho que tem muita novidade mas metade do que estamos vendo aí já existia antigamente, fica sendo usado por um tempo depois é esquecido… E depois volta com força, é normal. O que muda são os apelidos da posição. Os detalhes realmente novos e modernos eu gosto de experimentar. Penso como um médico: se um doutor ficar 20 anos sem estudar ele se torna obsoleto. Meu jogo sempre foi de guarda fechada, tive uma guarda poderosa como competidor, mas não gosto de ensinar somente o que funciona no meu jogo, eu passo ao aluno uma visão geral, inclusive técnicas modernas. Só não gosto de firulas. Hoje em dia, inclusive, mais velho, estou virando até mais passador.

Algum outro episódio sensacional que você guarde com mais carinho?

O mais sensacional de tudo foi poder ter feito parte dessa história, do início da saga do Jiu-Jitsu. Foi um tempo romântico e muito bacana, em que ninguém conhecia a arte suave. Sempre acreditei que o Jiu-Jitsu cresceria muito e chegaria longe, mas todo dia eu me espanto ao ver a proporção que a arte atingiu nos dias de hoje, algo fenomenal. 

 

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