Texto: Rodrigo Antunes
Quanto mais difícil, para mim mais interessante. Detesto a tal zona de conforto. Sou irrequieto, mas não inconsequente. Há sempre cuidado com meus passos. No meio dessa pandemia, recebi um convite para uma luta, e fez sentido para mim. Eu tinha tempo disponível, minha cidade conta com espaços ao ar livre para o treino, e ainda tinha a ajuda do meu instrutor assistente, um cara ainda mais pilhado do que eu (e mais novo, obviamente).
À medida em que as regras de flexibilização foram ficando mais amenas, os treinos ficaram mais intensos e frequentes. Assim que a IBJJF retomou a realização de campeonatos, me inscrevi no Pan de Jiu-Jitsu. Pronto, depois de dois anos lidando com mudanças, abertura de novas academias e filiais, e dedicando mais tempo à família, enfim eu estava de volta! Geralmente, fazemos o treino mais puxado fora do horário comercial, para não atrapalhar o aprendizado dos alunos. Depois da reabertura da academia, numa sexta-feira chuvosa com poucos alunos, resolvemos sair do padrão e demos um rola “mais puxado”.
Um aluno, ao experimentar aquilo, soltou então o comentário: “Professor, faixa-branca pode competir?” Tenho de voltar no tempo. Dois anos antes, um pai veio inscrever as duas filhas gêmeas de 12 anos no Jiu-Jitsu, das meninas mais doces que já conheci. Num almoço de domingo, durante a sobremesa, elas então fizeram a pergunta chave: “Pai, se você acha o Jiu-Jitsu tão importante para a gente, por que você não pratica?” Que saia-justa! Pois é, seja o exemplo. Segunda-feira, esse pai se matriculou em nossa escola.
Voltando ao presente. Dois anos se passaram, as meninas deram um tempo, mas espero que voltem. Mas o pai está ativo, firme e forte, com três honrosos graus na branca. Esse pai é vice-presidente de uma das maiores multinacionais do mundo, no auge dos seus 48 anos, sem passado de atleta e queria se testar em mais um desafio. Ele queria competir e pronto. Gosto de analisar meu propósito como professor, nessa fase da minha vida. Minha escola hoje é de formação, voltada para praticantes, levando o Jiu-Jitsu a sério e democratizando o acesso a todos, sem o objetivo de formar campeões mundiais. Alguns questionamentos então surgiram na minha mente: “E se o tal pai se machucar nos treinos”, “E se ele se machucar na competição”, “Como a família vai reagir aos treinamentos, já que ele vai gastar mais tempo nos treinos e dieta”, “Como isso vai afetar a atenção que preciso dar aos meus outros alunos”, etc.
Levantei esses pontos junto com ele, pedi para conversar com a família, enquanto eu iria conversar com meu instrutor assistente, que está no dia a dia, e na segunda decidiríamos juntos se valia a pena. Segunda-feira pela manhã, recebo a mensagem cedinho: “E aí, mestre? Posso lutar?” Como dizer não para um cara desses? Com o nosso aval, na própria segunda começamos. Mais dois alunos se interessaram logo, e no fim da semana já tínhamos outros tantos alunos sedentos para participa. Todos empresários, superexecutivos na categoria master, a maioria faixa-branca, sem nenhum torneio na vida. Um dos alunos, inclusive, precisou ser demovido. Seguramos seu ímpeto pois não era ainda seu momento – além de não ter tempo de treinos, sem aulas suficientes para desenvolver suas habilidades técnicas, ele precisava focar o preparo físico. Pronto, time formado com os alunos, e ainda comigo e o meu instrutor assistente.
Durante o primeiro fim de semana, precisamos tomar uma decisão importante. Como conciliar o fato de competir com a atividade de técnico. E, como prepará-los sem prejudicar o funcionamento das aulas na nossa escola. A primeira foi fácil. Hoje, por mais que ainda tenha um guerreiro brigador dentro de mim, meus alunos são prioridade. Tirei meu nome para focar neles. Já para concretizar a segunda, analisei nossa grade de horário, escolhi dois turnos de turmas intermediárias com menor frequência e alterei para intermediário/avançado. Expliquei que, durante aquelas próximas seis semanas, iríamos dar ênfase em drills, quedas e estratégias.
Motivar pessoas bem sucedidas é fácil. Na medida em que fomos nos aproximando do campeonato, deu para perceber que até os homens de negócio têm medos, receios e precisam de suporte. São caras que analisam e fiscalizam negócios bilionários, e estudam tudo a fundo antes de tomar decisões. Nesse caso, eles estavam pisando num terreno totalmente novo, que eles só iam poder conhecer a fundo na hora em que o adversário fosse agarrar-lhes o kimono e tentar derrubá-los. Depois de cada treino, eu procurava contar minha experiência nas semanas de competição, a dificuldade para baixar peso, a importância de uma boa noite de sono, o que comer, como se exercitar no dia D. Falei ainda sobre o passo a passo dos eventos da IBJJF: pesagem preliminar, medição de kimono, pesagem oficial, apresentar-se ao coordenador de ringue, o tempo entre as lutas, as regras, que coach vai estar ao lado de qual aluno à beira do ringue.
Outro ponto importante: reservamos quartos no mesmo hotel, para estarmos próximos uns dos outros, e assim fazermos as refeições e voltar juntos do ginásio. E como era em Orlando, as famílias puderam ir depois, para torcer no dia da luta. O Pan começou numa quinta-feira e acabou domingo. Grandes lutas, muitas emoções. Tudo correu melhor do que o planejado. Todos os alunos venceram ao menos uma luta, e apenas um não conquistou a medalha.
Lembra do pai, o das filhas gêmeas? No Pan, ele conquistou a medalha de bronze e depois fez o nosso teste para faixa-azul. Entrou em casa todo bobo, com a nova faixa amarrada na cintura. As gêmeas? Estão todas orgulhosas do paizão casca, e voltam a treinar Jiu-Jitsu na semana que vem.
* Rodrigo Antunes é nosso GMI e comanda as academias Alliance Key Biscaine,
Alliance Coconut Grove e Alliance Naples, na Flórida, EUA.
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