Sempre na busca de trazer as melhores lições para você, amigo leitor, nossa equipe mergulha mais uma vez em nosso baú para recordar grandes reportagens publicadas na revista de Jiu-Jitsu mais lida do país. Hoje, recordaremos o artigo de capa da GRACIEMAG #188, publicada em 2012, com os proveitos que uma rivalidade sadia, nos treinos e nos torneios, pode trazer para você. Confira abaixo e, para ler mais conteúdos exclusivos como este, assine a GRACIEMAG, também em formato digital.
O milagre da rivalidade
Quando Carlson Gracie era jovem, seu pai, Carlos, tinha um jeito bastante curioso para incentivar o filho a fugir da estagnação nos treinos. Carlos anunciava aos jornalistas cariocas que João Alberto Barreto, à época instrutor da Academia Gracie, seria o representante da família para o próximo grande desafio de vale-tudo.
“Isso aconteceu inclusive às vésperas do combate contra o Valdemar Santana. Não tinha cabimento eu lutar contra o Valdemar. Ele tinha vencido o mestre Helio [no histórico combate com duração de 3h45m]. Era um assunto que alguém da família teria que resolver. Mas só de o Carlos sugerir o meu nome, o Carlson passava a treinar feito louco”, recorda Barreto.
Por anos a fio, João Alberto Barreto funcionou como o grande estímulo de aperfeiçoamento técnico para Carlson, aquele a morder seu calcanhar. Um rival. Claro, a relação de amizade entre os dois lutadores nunca foi abalada em razão disso. Era uma rixa tácita, construtiva, e foi assim que a concorrência de Barreto serviu como agente catalisador à expansão do potencial de Carlson, que se firmou ao longo da carreira como um dos maiores campões de sua época, derrotando Valdemar Santana e tantos outros adversários em confrontos épicos.
Visionário e extremamente intuitivo, grande mestre Carlos sabia que uma relação sadia de rivalidade é capaz de contribuir de forma decisiva para a evolução dos praticantes de Jiu-Jitsu. Os anos passaram, o século mudou, Carlos e Carlson já faleceram, mas o “milagre da rivalidade” continua beneficiando atletas em todo o planeta. Veja, por exemplo, o que o jovem faixa-preta Jeff Glover declarou recentemente sobre seu grande rival, Caio Terra:
“De uma forma meio louca, Caio tem incentivado bastante o meu trabalho. Nossa rivalidade chama atenção no mundo do Jiu-Jitsu e isso serve para nos empurrar para frente. Sou muito grato ao Caio, ele me faz buscar aperfeiçoamento, afinal, tenho receio de perder para ele. Eu treino cada vez mais para que isso não aconteça, não quero ser derrotado por ele, Caio é como uma montanha enorme que eu tenho que escalar.”
Vaidade e estagnação
Embora, na teoria, as relações de rivalidade sejam benéficas para o progresso dos praticantes de Jiu-Jitsu; na prática, há uma muralha de cabreirismos e hesitações que faz com que muitos praticantes evitem o enfrentamento. Em outras palavras, não é todo mundo que sabe lidar de forma proveitosa com uma relação de rivalidade, seja ela entre companheiros de treinos (como no caso de Carlson e João Alberto) ou entre lutadores de academias diferentes (feito Glover e Terra).
Muitas vezes, em vez de estimular crescimento e motivar o esforço nos treinos, a figura do rival causa pânico, bloqueios, afastamentos e desistências. Sim, há quem abandone o esporte por conta dessa incapacidade de se expor à possibilidade de perder para um rival. Em grande parte dos casos, essa incapacidade está ligada a um pecado capital: a vaidade.
“Muita gente não aceita perder nem em treino”, lamenta o faixa-preta Léo Nogueira. “Ganhar ou perder de um companheiro de time, que mal tem? O diferencial para evoluir e se tornar um campeão é justamente não se guardar. É treinar cansado, passar perigo. Treinar inteiro é fácil, quero ver treinar exausto.”
GRACIEMAG garante: se o praticante de Jiu-Jitsu mudar a maneira de ver o enfrentamento com o rival, se em vez de buscar a vitória, o lutador passar a perseguir apenas o aprendizado, tudo ficará extremamente mais fácil e prazeroso. “A pressão em ter que vencer um rival pode simplesmente implodir um lutador”, analisa Rickson Gracie. “Faça o máximo que puder e saiba que o resultado final não depende apenas de você. É assim que tiro a pressão do meu cotidiano. Só vou fazer o que for possível, o que não for possível já está resolvido. Qualquer que seja o resultado eu vou voltar para casa satisfeito”, conclui Rickson.
Flávio Canto é um ótimo exemplo de lutador que não se deixa paralisar pela pressão e pelo medo de enfrentar um rival. Canto vivencia isso com a alegria e com o entusiasmo de estar sempre aprendendo. O craque chega ao extremo de ensinar, em detalhes, seus golpes mais fortes para os rivais. “Sempre ofereci o meu conhecimento para os adversários. Claro que muitas vezes não consegui mais pegá-los nos golpes e técnicas que lhes ensinei. Não importa. Isso fez com que eu tivesse que me aperfeiçoar ainda mais para conseguir vencê-los. Ou seja, se você ensinar seus pontos fortes para seus parceiros de treino e adversários, será obrigado a evoluir.”
Como identificar um rival
A figura de um rival não pode ser confundida com a de um “adversário qualquer”. Por exemplo: o faixa-roxa que você vence a toda hora nos treinos não é capaz de estabelecer com você uma relação de rivalidade. Esse faixa-roxa não é capaz de tirar você da zona de conforto, não adrenaliza um embate. Rival é o avesso disso, é aquele oponente que de alguma forma consegue alfinetar a sua confiança. É aquele que tem potencial para sobressair num confronto contra você. Claro, essa relação de rivalidade se acirra ainda mais caso haja uma grande recorrência de confrontos entre vocês, em circunstâncias especiais, como por exemplo, num desafio evolvendo milhares de dólares, na superluta do maior evento de submission do planeta.
É o caso de André Galvão e Bráulio Estima, dois astros do Jiu-Jitsu que vão se enfrentar na tão aguardada superluta
do ADCC 2013. O mundo das artes marciais está ansioso para assistir ao confronto desses dois guerreiros, cuja relação de rivalidade serve como modelo e guia para esta reportagem, afinal, André e Bráulio se permitem usufruir das benesses da competitividade amigável e proveitosa que travam entre si.
“Graças a Deus eu sofri aquele triângulo invertido do Bráulio no ADCC 2009”, diz Galvão. “Agradeço por aquilo ter acontecido na minha vida, pois me ajudou a não querer mais aquilo pra mim e me deu muita vontade de voltar a vencer, em vez de simplesmente desistir.”
Galvão e Bráulio já se enfrentaram duas vezes. Na primeira vez, deu Galvão, num combate eletrizante na final da categoria meio-pesado do Mundial 2008. “Tudo começou ali”, lembra André. “A luta foi muito boa, estudei muito o jogo do Bráulio naquele ano.”
No segundo embate, no ADCC 2009, Bráulio derrotou Galvão de forma esplêndida, recorrendo a um triângulo invertido que acabou estampado na capa da GRACIEMAG #153. Tal acontecimento, capaz de traumatizar muitos lutadores, teve o tal “efeito catalisador” em Galvão. O craque treinou até não poder mais, melhorou seu poder cardiovascular, aperfeiçoou a técnica, caçou a superação de forma implacável. No ADCC seguinte, edição de 2011, André se sagrou campeão no peso e no absoluto, dando a volta por cima, e aparecendo na capa da GRACIEMAG #176, desta vez com uma imagem vitoriosa, a qual ele teve o maior orgulho de enquadrar e pendurar na parede.
Bráulio sabe que Galvão está vindo num ritmo frenético para enfrentá-lo em 2013, o que obriga o Carcará a treinar cada vez mais para conter o ímpeto do rival. E é assim que a dinâmica da boa rivalidade fomenta a evolução de ambos os faixas-pretas.
“O Galvão me obriga a treinar diversos fundamentos específicos, como, por exemplo, a defesa para o armdrag”, analisa Bráulio. “O armdrag é uma das técnicas mais perigosas do Galvão, ele faz com muita eficiência, e termina o movimento grampeado nas costas do adversário. Aliás, foi assim que eu perdi para ele naquele Mundial de 2008, com um estrangulamento pelas costas.”
Jamais escolha treinos!
GRACIEMAG vê extrema importância nessa perspectiva de grande aprendizagem a partir do cultivo da figura do “bom rival”. Queremos banir da vida de nossos leitores a cultura de “escolher adversários” e se manter confortável treinando ou competindo apenas contra aqueles que são derrotados facilmente.
“Se você escolhe treinos na academia, você vai ficar sempre na estaca zero. Os desafios começam nos treinos com seus companheiros. Aquele cara que tem guarda chata, aquele que amassa por cima, aquele que te pega sempre… Esses são os caras que você deve sempre chamar para treinar e tentar achar uma melhora a cada dia. Essa é a minha filosofia, é o jeito que eu aprendi e fiz”, ensina Galvão.
“Concordo com o André, mas vale lembrar que também pode ser produtivo treinar com colegas de nível técnico inferior ao nosso”, pondera Bráulio. Só vai depender da sua criatividade, leitor, em transformar um “treino fácil” num “treino instigante”. Por exemplo, você pode deixar um colega menos graduado encaixar uma chave de braço em você. A partir dessa situação, treine a mecânica das defesas para tal chave. Que tal?
“Pelo fato de eu ser da primeira geração da Gracie Barra PE, poucos me amassavam no time, então eu e meu professor Zé Radiola bolávamos treinos específicos para eu evoluir”, recorda Bráulio.
Criatividade, portanto, está entre as virtudes que o praticante de Jiu-Jitsu não pode abrir mão. A outra virtude fundamental tem a ver com a humildade em querer estar sempre aprendendo. Junte a esses dois elementos um bocado de disposição e pronto. O progresso do lutador de Jiu-Jitsu virá naturalmente. Os campeões garantem!
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