O jornalista Eduardo Ohata, especializado em boxe e MMA, relembrou na “Folha de São Paulo” um episódio curioso que viveu com o mitológico Muhammad Ali (1942-2016). O artigo de Ohata celebrou o legado do campeão mundial e olímpico dos pesos pesados, falecido há cinco anos, em 3 de junho de 2016.
Era o ano 2000 e o repórter foi cobrir a luta entre Oscar de la Hoya e Shane Mosley, no Staples Center de Los Angeles. Deu de cara com Muhammad Ali, cercado por sua família nas primeiras filas. “Comecei a me aproximar para pedir autógrafo numa luva de boxe, mas fui barrado por uma das filhas. Não escondi meu desapontamento e começava a me afastar, quando Ali fez um gesto com a mão. Olhei para sua filha, que, desta vez, abriu caminho. Ali pôs a mão no bolso, retirou uma espécie de ‘santinho’ islâmico e o entregou para mim; ao examiná-lo, vi que estava autografado. Ali me encarou muito de perto e fixamente, por cerca de 15 segundos, e esboçou um sorriso. Não tive outra reação a não ser ficar boquiaberto.”
Ohata então guardou seu pequeno tesouro dentro de uma enciclopédia, na casa dos pais em São Paulo. Parecia o mais seguro dos locais. Até que um dia… Eduardo foi visitar a mãe e descobriu que, sem imaginar o que continha, ela havia doado a enciclopédia. O repórter ficou primeiramente desolado, depois furibundo. Mas refletiu: “O que Ali teria feito?”. Conectado a uma paz interior e uma força mental dos mais notáveis campeões, Ohata surpreendeu com sua reação: “Decidi nada dizer, evitar discussões e não deixar aborrecida quem tanto já havia feito (e faz) por mim.” E guardou a história para ele até este ano, quando a contou no jornal.
Ali, o nocauteador que “flutuava como uma borboleta e ferroava como uma abelha”, marcou não apenas admiradores no Brasil, mas também alguns de seus mais temidos rivais:
“Ele foi o maior boxeador, o maior atleta de todos os tempos?”, questionou George Foreman, seu rival no Zaire em 1973, em entrevista a Ohata. “Não, ele foi muito mais. É uma piada reduzir Ali a isso. Ele era muito grande para o limitarmos ao mundo esportivo; pensar assim nos faz subestimar a sua missão. Ali possuía tantas qualidades que faziam da Terra um planeta melhor. Muhammad almejava que o mundo fosse um lugar melhor e acreditava que sua personalidade poderia ajudar nisso. Infelizmente, o mundo perdeu o significado de sua mensagem – todos sabem que ele se sacrificou por seus princípios, mas não têm ideia de quais eram.”
O legado de Ali, como lembra o colega, era de tolerância, não de divisão. “Alguns dos melhores momentos da minha vida foram quando estive com o campeão, a melhor pessoa que conheci. Ele nos mantinha sorridentes. Qualquer um pode ser um grande atleta ou um grande boxeador; mas seria preciso um milagre para surgir um novo Muhammad Ali”, concluiu Foreman.
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