“Nocauteoooou! É campeão, p@rra! É campeão!” Foi com esses berros e pulando no sofá que acordei minha esposa e praticamente todo o prédio no qual eu moro. Era madrugada do dia 16 de maio de 2021 e a emoção havia me dominado. Charles “do Bronx” Oliveira se consagrava campeão peso leve do UFC e, como tudo em sua vida, não foi fácil.
Uma trajetória cinematográfica, que me lembrou muito a história de Jamal Malik, protagonista do belo filme “Quem quer ser um milionário?”, vencedor do Oscar de Melhor Filme de 2008.
Eu já estava comovido ao ver Charles caminhando empolgado para o octógono do Toyota Center, no Texas. Ninguém merecia mais do que ele estar ali. Seu apelido “do Bronx” vem justamente de sua origem em uma comunidade humilde no Guarujá, litoral de São Paulo. Sua mãe vendia lanches e seu pai trabalhava na feira. Quando tinha 7 anos de idade, foi diagnosticado com febre reumática e problemas cardíacos, tinha instabilidade estrutural e temia-se que pudesse ficar paralítico.
Quando melhorou um pouco seu estado físico, começou a lutar Jiu-Jitsu, levado por um vizinho e como parte de um projeto social. Era um prodígio e logo começou a ganhar campeonatos locais. Sua família chegou a catar e vender papelão (por menos de trinta centavos o quilo) para que Charles pudesse ir a campeonatos. Agora ele entrava no octógono da maior organização de MMA do mundo para buscar o cinturão da categoria mais disputada, sob aplauso de milhares de pessoas e audiência de milhões em todo o mundo.
Quando a luta começou, eu já não conseguia mais ficar parado na poltrona. Depois de uma rápida troca de golpes, “do Bronx” fez uma entrada de queda nas pernas de Michael Chandler e o americano laçou seu pescoço em uma justa guilhotina. Não era possível que o mesmo Jiu-Jitsu que levara Charles até ali seria a razão de sua queda. O brasileiro se defendeu com calma, tirou a cabeça da armadilha, passou a guarda e pegou as costas de Chandler. Eu senti o ar voltar aos meus pulmões. Agora Charles estava em casa.
“Charlinho” chegara ao UFC como um moleque magrelo, com apenas 20 anos de idade, um cartel invicto de 12 vitórias no MMA e um Jiu-Jitsu ofensivo e vistoso. Logo em sua primeira luta na organização, finalizou Darren Elkins com um armlock em apenas 41 segundos de luta. Seu domínio da arte suave é impressionante. Oliveira conseguiu a primeira finalização com chave de panturrilha no octógono contra Eric Wisely em 2012. Charles quebrou o duradouro recorde de finalizações do UFC que pertencia ao lendário pioneiro Royce Gracie. Suas transições de ataques e sua guarda ofensiva são lindas e certamente trariam um sorriso para o rosto do saudoso Grande Mestre Helio Gracie.
Considerando tudo isso, eu acreditava que Michael não conseguiria escapar quando “do Bronx” fechou o triângulo na cintura na pegada de costas. Eu estava de pé esperando que Charles conseguisse passar o antebraço por baixo do queixo do oponente e apertar o mata-leão. Porém, Chandler não fora campeão do Bellator e chegara até essa disputa à toa. O americano usou muita força e técnica para reverter a posição e passar a castigar Charles. “Não, não é possível!!!”, eu já falava em voz alta, mal podendo me conter. Michael passou a desferir uma sequência de socos na cabeça do brasileiro e temi que o juiz fosse interromper a luta. Seria muito injusto depois de toda a dificuldade que Charles tivera para conseguir o direito àquela disputa de cinturão.
Foram 11 longos anos de UFC, nos quais Charles passara por diversos altos e baixos. Estreou na categoria leve e desceu para a categoria pena, onde tinha dificuldades para chegar ao peso necessário. Foi de vitórias empolgantes contra oponentes duros como Jeremy Stephens, Nick Lentz e Will Brooks, a derrotas decepcionantes contra grandes lutadores como Frank Edgar, Anthony Pettis e Max Holloway.
De volta ao peso leve, mais maduro e com a trocação em pé muito evoluída (fruto de muito treino e da necessidade de não ser unidimensional), Charles engatou uma impressionante sequência de nove vitórias. Ainda assim, devido à sua postura discreta, não recebia o merecido destaque da organização. Nas últimas vitórias, dominou completamente os fortíssimos Kevin Lee e Tony Ferguson. Com a aposentadoria de Khabib Nurmagomedov e as lutas já marcadas entre os desafiantes Conor McGregor e Dustin Poirier, Dana White não pôde negar a “do Bronx” sua merecidíssima disputa de título.
Meu coração parecia que ia sair pela boca. “Vai, Charles! Se mexe! Sai daí!”, eu balbuciava enquanto me contorcia em frente à televisão. Mostrando garra e resistência de um verdadeiro campeão, o brasileiro conseguiu repor a guarda e sobreviver a um total de 21 golpes na cabeça no primeiro round. O gongo soou e eu finalmente consegui me sentar novamente no sofá.
Na volta para o segundo round, Charles nem parecia alguém que estava se recuperando. Completamente focado, nosso guerreiro “do Bronx” avançou e, em uma rápida troca de socos, acertou um potente cruzado de esquerda no queixo de Chandler. O americano sentiu o baque e recuou atordoado. Nesse momento, eu já estava totalmente alucinado na minha sala. “Vai! Vai! Vai!”, eu incentivava a milhares de quilômetros de distância. Charles não perdeu a oportunidade, caçou o combalido Chandler e continuou golpeando até a interrupção do árbitro, com a decretação do nocaute técnico. Foi então que os gritos saíram involuntariamente da minha garganta: “Nocauteoooou! É campeão, p@rra! É campeão!”
Assim como o Jamal do filme “Quem quer ser um Milionário?”, Charles “do Bronx” Oliveira saíra de uma comunidade pobre, enfrentara terríveis provações sem nunca desistir ou perder a humildade e triunfara sem esquecer de quem o levara até a glória. Sua vitória é a vitória de todo um povo sofrido e batalhador.
“A Favela Venceu!”, desabafou Charles ainda no octógono ao receber o cinturão. Impossível não se emocionar.
UFC 262
Houston, Texas
15 de maio de 2021
Charles do Bronx venceu Michael Chandler por nocaute técnico aos 19s do R2
Beneil Dariush venceu Tony Ferguson na decisão unânime dos jurados
Rogério Bontorin venceu Matt Schnell na decisão unânime dos jurados
Katlyn Chookagian venceu Viviane Araújo na decisão unânime dos jurados
Edson Barboza venceu Shane Burgos por nocaute técnico a 1min16s do R3
CARD PRELIMINAR
André Sergipano finalizou Ronaldo Jacaré no armlock aos 3min59s do R1
Lando Vannata venceu Mike Grundy na decisão dividida dos jurados
Jordan Wright venceu Jamie Pickett por nocaute técnico a 1min04s do R1
Andrea Lee finalizou Antonina Shevchenko no armlock do triângulo aos 4min52s do R2
Priscila Pedrita venceu Gina Mazany no nocaute técnico aos 4min51s do R2
Tucker Lutz venceu Kevin Aguilar na decisão unânime dos jurados
Christos Giagos finalizou Sean Soriano no triângulo de mão aos 3min59s do R2
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