16 dezembro 2020

Como o Jiu-Jitsu salva os jovens do mau caminho, por mestre Orlando Saraiva

Jiu-Jitsu para todos, com mestre Orlando Saraiva. Foto: Arquivo pessoal

 

O pequeno Orlando Saraiva nunca foi fácil. Nascido em 1951 e criado e educado dentro dos portões da Fundação do Bem-Estar do Menor, a notória Funabem, Orlando chegou a pular os muros da Fundação – mas, por sorte, eram escapulidas rápidas, com o objetivo de correr para a casa de seu professor e ouvir velhas histórias sobre Jiu-Jitsu. O professor em questão era o lendário Osvaldo Rosa, o mestre Paquetá, que desde os anos 1960 depositava todas as suas fichas nos poderes transformadores do Jiu-Jitsu como ferramenta social. Era Paquetá quem lutava para organizar treinos, aulões e os pioneiros torneios de kimono dentro da Funabem.

Na edição #275 de GRACIEMAG, nossa equipe contou a história de sucesso de Orlando Saraiva, dos tempos em que era um mirrado faixa-verde que teve a oportunidade de rolar com Rolls Gracie, até os dias de faixa-preta campeão. Galinho bom de técnica e cheio de disposição, o hoje faixa-vermelha pesava cerca de 61kg e tratou de retribuir o que o Jiu-Jitsu lhe trouxera. Desde cedo, começou a lecionar, assistindo ao mestre Osvaldo Paquetá nos treinos infantis.

Confira trechos do entrevistão publicado na revista. Para ler na íntegra, garanta já sua assinatura digital, aqui.

GRACIEMAG: Mestre Osvaldo Paquetá é célebre no mundo do Jiu-Jitsu por suas filmagens, arquivos e vídeos históricos à beira dos tatames. Como é o Paquetá que a sua geração conheceu?

MESTRE ORLANDO SARAIVA: O Paquetá sempre teve uma relação de pai e filho com os alunos. Ele nos levava para viajar, treinar em outras academias, sabe? E comigo ele manteve laços ainda mais especiais, pois acabei por dar continuidade ao trabalho dele na Funabem. Foi na realidade o meu primeiro emprego registrado, em 1972, quando saí da Aeronáutica e fui lecionar na Fundação. Muita gente conhece o Paquetá como cinegrafista, mas a contribuição dele ao Jiu-Jitsu foi muito maior. Afinal, ele foi um dos primeiros professores a realizar eventos de Jiu-Jitsu na Funabem. E isso foi antes mesmo da Federação do Rio de Janeiro, que organizou seu primeiro torneio em 1973.

Como era o mestre Paquetá treinador?

Ah, lembro de várias histórias que vivi com ele, inclusive quando eu fugia da Funabem e passava os fins de semana na casa dele, ouvindo histórias de velhos lutadores. Depois eu voltava e ele ajeitava tudo para que eu não fosse punido. Outra história engraçada: a Funabem era dividida em alas, e tinha uma área de menores infratores que eram pegos na rua cometendo delitos. Alguns rapazes falavam que eram menores de idade mas não eram, e como não tinham documento, acabavam lá na Funabem. O Paquetá gostava de levar a gente lá e chegava para uns caras grandes assim: “Campeão, vim te dar uma chance. Escolhe um dos meus garotos aqui, se você bater nele, deixo você embora… Geralmente eu era o escolhido, por ser o mais levinho. E os caras sempre tomavam o maior prejuízo, pois nada sabiam de Jiu-Jitsu. E ficavam ele e o Waltinho Guimarães rindo. Era um senhor treino para a gente também, claro.

Como foi o seu primeiro dia de kimono?

Eu estava passando na frente da sala que o professor Paquetá dava aulas, ouvi o barulho e achei que era briga. Fui lá ver o que era e acabei achando interessante, e pedi para fazer uma aula. Na verdade mesmo eu achei que aquelas técnicas ali me fariam um rapaz bom de briga e eu enfim iria bater em todo mundo (risos)… Mas o Jiu-Jitsu tratou de me guiar para o caminho mais suave, diariamente. Os treinos me acalmaram e me deixaram mais seguro, e a partir dali eu não provocava mais ninguém.

Você chegou à Funabem aos 10 anos, certo? Como foi sua infância?

Isso. Eu não tinha nenhum conhecimento de lutas quando cheguei lá. Lembro que eu era um revoltado, gostava muito de brigar, achava que era bom de briga e quando comecei a treinar descobri que não sabia nada. Aprendi, treino a treino, a ser mais calmo, e já não me envolvia em brigas. Realmente o Jiu-Jitsu mudou minha história. O meu pai eu perdi quando eu tinha uns 3 anos, e minha mãe quando eu tinha 7. A gente morava na favela do Jacarezinho, no Rio. Quando minha mãe morreu, fui morar com minha irmã, mas ela era muito nova e não tinha condições de trabalhar e cuidar de mim. Assim fui parar primeiro no Serviço de Assistência ao Menor e depois fui internado na Funabem.

Depois o Paquetá o levou para os treinos na academia do Carlson. Qual foi a lição que você aprendeu por lá e jamais esqueceu?

O Carlson nos ensinava todos dias a sermos humildes e ao mesmo tempo destemidos. E foi isso que sempre passei aos meus alunos, é essa postura que eles devem levar para a vida. É aquela postura: apertou a mão do oponente e a luta começou, a única ação possível é dar o seu melhor. Mesmo se você perder, tem de mostrar coração. O lado justo e profissional dele também era muito marcante. Ele brigava com os adversários na hora da luta, mas depois que acabava, sempre apertava a mão e demonstrava respeito a todos os oponentes.

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