Em entrevista iluminada concedida à equipe de GRACIEMAG em 2014, o grande mestre Armando Wriedt (1925-2019) falou sobre a essência do Jiu-Jitsu, lembrou o dia em que conheceu Helio Gracie e analisou as principais lições que tirou de uma vida inteira dedicada à arte de ensinar o Jiu-Jitsu. Confira!
GRACIEMAG: Qual foi a maior lição de vida que o Jiu-Jitsu lhe ensinou, mestre Armando?
ARMANDO WRIEDT: O Jiu-Jitsu me ensinou variadas lições de vida. A primeira foi como me alimentar. Em seguida, como me conduzir perante a sociedade. A maior, no entanto, creio que tenha sido ser sempre lhano, amável e sincero no trato com as pessoas. Até mesmo com aqueles indivíduos adversos, que em certas ocasiões nos agridem. O bom praticante de Jiu-Jitsu deve estar sempre pronto para contra-atacar o mal, sim – ou seja, castigar aquele sentimento ruim que exacerbou naquele instante, mas jamais castigar o indivíduo em si, que como qualquer pessoa pode ter um curto-circuito e perder a razão e o bom senso vez ou outra.
Certa vez um aluno seu perguntou sobre faixa, e sua resposta foi marcante: “Meu filho, você vem aqui atrás de faixa ou conhecimento?”. Você vê a graduação como um termômetro secundário nas artes marciais em geral?
A graduação é importante para o ego do praticante. Mas não é tão importante quanto o conhecimento do Jiu-Jitsu, isto é, a defesa pessoal e a parte de luta esportiva que é usada nas competições.
Qual seria sua dica principal para o leitor que deseje continuar treinando e ensinando aos 90 anos?
Antes de tudo, é preciso ser uma pessoa perseverante e disciplinada. Jiu-Jitsu é disciplina. E, obviamente, deve-se renunciar a algumas coisas, em especial certos vícios, como fumar, beber e outros excessos em geral. Ajuda muito, ainda, seguir o regime alimentar desenvolvido pelos Gracie, que deu muito certo não apenas para eles como para vários alunos pelo mundo, e se mostrou assim uma dieta ideal para quem luta, e até para quem nunca vestiu um kimono.
Qual foi o dia mais feliz da sua vida, no Jiu-Jitsu?
O dia mais feliz na minha carreira foi aquele em que recebi o convite de Helio Gracie para integrar o grupo e a família de professores que estava sendo formado para ministrar as aulas na então futura academia Gracie da avenida Rio Branco, número 151, 17º andar, no Rio de Janeiro.
No que suas aulas mudaram, daquele tempo para cá?
As técnicas do Jiu-Jitsu são as mesmas. O que mudou foi que eu estou melhorando como professor, acho que hoje consigo fazer os alunos entenderem mais facilmente os movimentos do que há 60 anos.
Como você conheceu o professor Helio?
Esse dia me marcou muito. Conheci Helio Gracie numa partida de basquete em Teresópolis. Ele estava na torcida com amigas mocinhas, e ficou impressionado com a minha maneira de atuar. Comentou que eu era incansável, corria a quadra toda sem perder o fôlego. Fomos apresentados no intervalo do jogo, e eu jamais tinha ouvido falar de Jiu-Jitsu. Saímos para montar a cavalo, conversar e fiquei assim amigo do famoso e campeoníssimo Helio Gracie.
Você, por temperamento, é contra a violência. Mas protagonizou seis lutas de vale-tudo, ali pelos anos 1950. Você acha importante testar-se em lutas sem regras? Aprendeu muito com elas?
O Jiu-Jitsu prega a reação suave contra o oponente, é uma arte que ensina que não se deve fazer mal ao semelhante. Por isso até hoje vejo o vale-tudo é como uma modalidade violenta, que não representa exatamente o nosso Jiu-Jitsu, a arte suave. O que aprendi naquelas lutas foi que eu não devia aderir a esse esporte. Até hoje nem consigo assistir a nenhuma luta na televisão.
Você vive há décadas nessa bela casa. Jiu-Jitsu é sinônimo de natureza? O praticante deve procurar lugares ao ar livre para treinar vez ou outra?
Sim, isso faz parte do Jiu-Jitsu. Nossa arte nos leva a exercitar a paciência, a contemplação, a tranquilidade, a paz de espírito em si. E nada melhor do que viver cercado de um ambiente que alimente essa paz. Para mim é o ideal viver nesse paraíso em que vivo.
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