Texto: Willian von Söhsten*
No início, nosso Jiu-Jitsu era um território dominado por homens, que desbravaram os primeiros caminhos na criação desta legítima arte marcial brasileira. Como as mulheres se habituaram a fazer, sua entrada neste mundo fechado se deu com muita batalha, determinação e provas de que elas têm total capacidade para elevar o nome da arte suave mundo afora.
Muitas mulheres marcaram para sempre seus nomes na história do Jiu-Jitsu brasileiro – casos de Yvone Duarte, reconhecida como a primeira faixa-preta da história do esporte e que hoje ostenta o quinto grau. Outro exemplo de pioneira foi Kyra Gracie, uma das maiores referências no mundo do kimono rosa e a primeira da família Gracie a conquistar seu espaço no clã e ser condecorada com a faixa mais escura.
O termômetro mais evidente para medir a evolução do Jiu-Jitsu feminino ao longo dos anos está nos grandes campeonatos. A primeira edição do Mundial aconteceu em 1996, mas as meninas só deram as caras em 1999. E até 2004, faixas-roxas lutavam juntas com marrons e pretas. Tempo de consagração de estrelas como Leka Vieira, Letícia Ribeiro, Dani Figueiredo e outras pioneiras, além da chegada de muitas outras novatas.
“Costumo brincar que dei muito azar. Assim que peguei a faixa-marrom lutei duas vezes o Mundial contra meninas que já eram grandes faixas-pretas, e ainda assim consegui chegar ao pódio. Em 2012, já na faixa-preta, pensei que com a experiência adquirida seria minha vez de levar alguma vantagem sobre as menos graduadas. E adivinha? Nesse ano as faixas foram separadas definitivamente”, lembra com humor a atleta Bruna Ribeiro.
(Leka Vieira em ação no Mundial de 1999, no qual foi campeã peso-pena da chave mista de faixas-roxas, marrons e pretas)
Isso ocorria pois a quantidade de atletas que se inscreviam nas competições femininas ainda era muito pequena. “Ou misturava ou não tinha luta mesmo”, admite Bruna. Álvaro Mansor, diretor de arbitragem de IBJJF, lembra que com faixas-roxas lutando contra faixas-pretas a regra usada era sempre a da maior faixa. Hoje, tudo mudou. Já existe uma grande quantidade de atletas mulheres que dominam as áreas de luta e que se dedicam exclusivamente ao esporte – professoras, instrutoras, atletas, donas de academia e treinadoras que do Jiu-Jitsu retiram seu sustento. Diretor da IBJJF, Marcelo Araújo, o Siriema, recorda que no primeiro Mundial só existiam as categorias pena, médio e pesado para as mulheres. Hoje, a única categoria que falta para o feminino é a “pesadíssima”, que deve aparecer no futuro breve.
“A entrada da categoria feminino no Mundial foi um grande passo para sua exposição, mas ao mesmo tempo o número reduzido de competidoras fazia com que muitas categorias contassem apenas com uma atleta, ou nenhuma. Não havia luta, portanto. Foi decidido então que juntar alguns pesos e faixas faria com que a competição ganhasse visibilidade e status. Com o aumento de praticantes e competidores foi possível separar completamente as categorias de faixa”, explica Marcelo.
E, pensando bem, quem melhor que as mulheres para representarem o Jiu-Jitsu? Menos fortes fisicamente do que os homens, elas fazem valer a velha máxima do grande mestre Helio Gracie: “O Jiu-Jitsu nasceu para dar chance aos mais fracos enfrentarem os mais pesados e fortes”. Com a modalidade feminina cada vez mais firme, com representantes como Gabi Garcia, Mackenzie Dern, Monique Elias, Bia Mesquita e a campeã absoluta Dominyka Obelenyte, o futuro do esporte promete – e as academias pelo mundo cada vez se enchem mais com praticantes de rabo de cavalo e kimoninho rosa.
E você, amigo leitor, tem alguma lutadora favorita?
(Leka Vieira na semifinal do Pan 2019. A fera foi campeã no master 3)
* Willian von Söhsten é formado em jornalismo e direito, com pós-graduação em semiótica. É faixa-preta de Cícero Costha e professor de Jiu-Jitsu da Team Nogueira em Ribeirão Preto, SP.
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